As rebeliões regenciais
Olá, colegas. O material a seguir é extenso, mas serve aí pra quem se interessar.
Se quiserem a versão sucinta, vejam a aula 05...
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Como vimos, o período entre os dois imperadores do Brasil foi marcado por muita incerteza em relação aos rumos do novo país. Muitos grupos, alheios à organização política constituída desde a independência, buscaram, a partir das próprias ações, reivindicar o direito de organizar a própria realidade dentro do contexto da união ou pretendendo separar-se, como foi na América Espanhola.
As rebeliões duraram ao longo dos nove anos da regência (1831-40), e só arrefeceram com a coroação antecipada de Pedro II, que desde menino se tornou símbolo e esperança da nação. Porém, esse sentimento regionalista autônomo nunca deve ser desprezado, e, em maiores proporções, a Guerra de Canudos logo após a Proclamação da República é uma prova de que esses movimentos ainda viviam na memória especialmente dos nordestinos, assim como dos sulistas, que conservaram o aspecto federalista.
No geral, as rebeliões eram contrárias aos arranjos políticos liberais da regência, não por serem contrários à abertura do estado, mas por desconhecerem seus efeitos práticos após nove anos de autoritarismo do primeiro Pedro. Muitas delas eram fundamentalmente católicas e monarquistas, mas outras de caráter emancipacionistas. Vamos passar pelas principais (os participantes, reivindicações e consequências estão grifadas):
Cabanagem (Grão-Pará, 1835-40)
Na época, o Grão-Pará era praticamente toda a região Norte, que à época era ainda mais isolada e dominada pelas lideranças locais que tinham força suficiente para se apropriar da terra. Com isso, foi ignorada pelo governo de Pedro I, o que deixava um cenário de pobreza, fome e miséria para a maioria de índios, escravizados e seus descendentes. Daí o nome: Foi a revolta dos que viviam em cabanas de barro, em luta por condições melhores.
Vendo nesse descontentamento um canal, algumas lideranças políticas locais tomaram a frente do movimento: Em 1835, o palácio em Belém foi invadido, e o governador assassinado. O proprietário de terras Félix Malcher assumiu o posto. Injuriado, o império nomeou como presidente do Pará um português, o Barão de Caçapava, e lançou a guarda nacional sobre a província, (com apoio da marinha britânica), aumentando ainda mais a insatisfação local. Malcher, que negociava a rendição, foi morto pelos cabanos a bordo do brigue "cacique".
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Sangue e morte nas ruas de Belém |
Até o final do conflito, o Pará independente teria outros dois governadores (o proprietário Francisco Vinagre e o lavrador e refugiado cearense Eduardo Angelim). Talvez nem mesmo suas lideranças fossem totalmente coesas, mas o fato é que quando Angelim foi retirado do poder, cinco anos depois, a situação dos revoltosos só piorara: Não só a fome não fora combatida como cerca de 30% da população do estado havia morrido - cem mil pessoas, das quais 85 eram índios ou escravos. Angelim foi exilado em Fernando de Noronha e, mesmo ao retornar, nunca mais se envolveu com política.
Balaiada (Maranhão, 1838-41)
Assim como acontecia no Pará, a revolta partiu de sertanejos em situação de extrema pobreza, revoltados com os prefeitos que lhes voltavam as costas. A revolta recebeu esse nome por muitos dos envolvidos serem profissionais livres em atividades periféricas às fazendas, como artesãos, cesteiros (fazedores de balaios), rendeiros, vaqueiros e camponeses, além de negros quilombolas. Sem a possibilidade de adquirir terras, suas atividades estavam à mercê dos fazendeiros e autoridades do Maranhão, região que havia sido conquistada tardiamente dos franceses e, atrasada, estava em plantation a pleno vapor.
Os sertanejos revoltados passaram a invadir vilas, saquear as prefeituras e atacar as guarnições militares. Animados, os políticos liberais em São Luís exigiram a renúncia do presidente da província. Como resposta, o governo regencial nomeou como presidente o coronel Luís Alves de Lima e Silva, veterano da Independência e da Cisplatina, que passou a combater a guerrilha sertaneja, com extrema conveniência para os senhores que desejavam eliminar quilombolas e focos de rebeldia. Emboscando-os na vila de Caxias, o coronel eliminou os líderes do movimento, razão pela qual recebeu o título de Barão, e mais tarde Duque de Caxias, patrono do exército.
Sabinada (Bahia, 1837-38)
Originou-se em Salvador a partir de uma desavença política: Os políticos, advogados e jornalistas locais dividiam-se entre a questão do concentração de poder da monarquia e a autonomia que as províncias teriam. Preocupavam-se, por exemplo, com o fato da Bahia - até antes da mineração a região mais rica e próspera, inclusive capital colonial - ter passado a ser coadjuvante do Rio de Janeiro, e exigiam maior autonomia da província e fim da "opressão econômica". Para tanto, proclamaram a independência da Bahia até a coroação de Pedro II, julgando que teriam maior sorte nas negociações com o imperador-menino do que os os regentes em seu lugar.
A Bahia já se revoltava desde a Conjuração baiana em 1798, fizera sua guerra de independência particularmente ao resto do país e. Liderados pelo médico Francisco Sabino (daí o nome), a classe média, excluída da administração da província e da possibilidade de ascensão, aderiu ao movimento, e foi proclamada a República Baiana, rendendo os fortes e o palácio do governo, que se mudou para o interior da província.
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Diferentemente das outras, a Sabinada partiu da elite e classe média baianas (O que explica o menor volume de sangue derramado) |
No entanto, o movimento ter partido das classes médias o esvaziou de participação popular. Leia-se: de índios e escravos, que não estavam nos planos da nova República, ainda escravocrata. Após a regência falhar nas negociações políticas (um dos motivos que custou o cargo do Regente Feijó), o novo regente, o conservador Araújo Lima determinou rapidamente a repressão ao movimento. Os líderes foram presos, mas como eram mais abastados, foram exilados, e a transformação do movimento em combate foi contida. Alguns deles, porém, fugiriam para participar de movimentos em outros estados, como a Farroupilha no Sul.
Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835-45)
Das revoltas regenciais foi a mais duradoura e profunda, tendo avançado mesmo após a coroação de Pedro II. De caráter liberal, defendia a libertação da província da autoridade excessiva da coroa. Unindo proprietários, militares e políticos gaúchos, dos quais se destacavam Bento Gonçalves e David Canabarro, com apoio de liberais e militares italianos, como o revolucionário por profissão Giuseppe Garibaldi.
Os políticos e pecuaristas desejavam maior autonomia da coroa, uma vez que estiveram à margem dos ciclos do açúcar, ouro e café, e não haviam sido parte das capitanias, mas haviam sido incorporados há pouco tempo à América lusófona. Assim, sua economia era diferente e especificada na pecuária, produzindo charque (carne salgada), couro e derivados do boi, altamente tributados pelo império, mas usados para alimentar boa parte do sistema escravista ao longo do país. No entanto, os pecuaristas e liberais gaúchos eram pejorativamente chamados no governo de farrapos.
Para agravar a situação, o Uruguai, que havia recentemente proclamado sua independência, passou a vender charque para o império por um preço inferior, graças aos tributos brasileiros sobre seu território. Vendo essa situação, os riograndenses decidiram proclamar a sua independência e república - o que não era inédito em sua história. Expulsaram a autoridade imperial de Porto Alegre, e passaram a combatê-la no interior, obtendo uma série de vitórias. Ainda que seu líder, Bento Gonçalves, tenha sido preso em 1836.
Da prisão, Bento Gonçalves foi proclamado o primeiro presidente da República Rio-Grandense, e após fugir um ano depois assume o cargo de fato. A partir daí os farroupilhas conquistaram todo o interior da província e o de Santa Catarina, proclamando ali a República Juliana. No entanto, a região estava bloqueada por mar pela marinha imperial. Os rio-grandenses tentaram até transportar um barco por terra, mas o bloqueio realizado pelo Duque de Caxias (agora já nobre e experiente em guerrilhas) forçou a rendição dos gaúchos.
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O lanchão navegando pelos pampas livres |
Dom Pedro II (então com 19 anos) negociou o acordo de paz na província. Segundo o pacto, os gaúchos teriam autonomia política, econômica e religiosa, mas permaneceriam vinculados à união. Na prática, porém, nada disso foi cumprido. A inspiração separatista e revolucionária, porém, continuou uma marca viva no Rio Grande do Sul - inspirando, por exemplo, a Revolução de 30 e ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
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Um sentimento que nunca se extinguiu totalmente (às vezes confundido com xenofobia) |
Estas não foram as únicas revoltas, porém foram as de maior consequência, pela relevância, tomada de poder e número de mortos e envolvidos. As revoltas escravas, por exemplo, foram diversas, mas não tiveram a mesma proporção pelo medo que inspiravam nos proprietários, sendo rapida e violentamente debeladas. Não eram liberalistas, mas lutavam pela liberdade, no sentido mais exato da palavra.
Algumas delas:
- Setembrada (PE, 1831): Logo após a abdicação, eclodiu um movimento em Pernambuco contra a presença de portugueses na província. Defendia, por exemplo, que eles fossem excluídos do comércio, sentimento que gerou protestos similares na Bahia ("Mata Maroto") e no Mato Grosso (Rusgas, 1833-34)
- Revolta de Carrancas (MG, 1831): Rebelião dos escravos das Fazendas Campo Alegre e e Bella Cruz, com a morte de seu proprietário, um deputado, agitando ainda mais o meio político e inspirando a luta negra em Minas Gerais.
- Cabanada (PE, 1832-34): Liderados por bispos rebeldes, índios e escravos foragidos exigiam o retorno de Dom Pedro I, contra o governo regencial, assim como levantes organizados pelos irmãos Carneiro (as "Carneiradas"), a Abrilada (1832) e a Insurreição do Crato (CE, 1832). Apesar da morte do ex-imperador ter acabado com o movimento, foi também um dos inspiradores de Canudos.
- Revolta dos Malês (BA, 1835): Antes dos sabinos, houve um levante dos escravos "malês", de origem islâmica. Eles incendiaram diversos prédios em Salvador, e apesar de mortos, serviram como exemplo para as demais revoltas baianas no período. Os senhores de todo o país, como exemplo, passaram a temer adquirir escravos da Bahia.
- Revolta de Manuel Congo (RJ, 1839): Organizaram um quilombo no interior carioca os escravos do capitão Manuel Xavier. O exército oligárquico invadiu o local, e 300 fugitivos foram recapturados. Apenas Manuel Congo, no entanto, foi enforcado, enquanto castigo pior foi imposto aos demais: a volta à senzala.
- Enfim, foram esses os principais exemplos de que algo gerava um descontentamento na população de vários cantos do país, e que estes cobravam maior protagonismo na vida pública, inclusive, em muitos casos, melhores condições de vida, não necessariamente lutando por nenhuma corrente filosófica (nenhum -ismo), partido ou forma de governo.
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