Aula 05 - Primeiro Reinado e a Regência (Parte 1)

Recapitulando...
Independência: Articulação política ("partido brasileiro")
Saída monárquica - centralização - poder moderador
Manutenção das estruturas socioeconômicas - desafios

CONSOLIDAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA / CONSTRUÇÃO DO ESTADO


- Conflitos locais com os portugueses (Cisplatina, Bahia...)

A independência, embora não tenha sido uma guerra ou conflito generalizado, passou por alguns episódios militares isolados, como a expulsão dos portugueses na Bahia e a independência da Cisplatina - Uruguai (primeiro de Portugal, depois do Brasil ~1826). A localização do Uruguai é altamente estratégica, na embocadura do Rio da Prata, que recebeu esse nome justamente pelo fluxo do metal de lá para a Europa, além de entrada de mercadorias no continente.

- Reconhecimento externo
(1824) EUA / Inglaterra
Os Estados Unidos foram os primeiros a reconhecer a independência no bojo da sua própria, ocorrida cinco décadas antes. Já a Inglaterra tinha grande interesse em comercializar oficialmente com a nova nação (que já era seu quinto maior mercado no mundo) e em negociar diretamente com o Brasil a libertação dos escravos, interesse, além de humanitário, comercial.

(1825) Portugal
Aceitou a independência com duas condições: Que nenhuma outra nação africana se unisse ao Brasil no processo de independência (Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé só o fariam na década de 1970) e que o país assumisse a dívida lusa de dois milhões de libras com a Inglaterra. Ou seja, a dívida externa nasce junto com o país.

- Derrota dos movimentos autonomistas (não-pacífica)
Embora o embate com Portugal pela independência tenha sido muito mais pacífico do que o das repúblicas americanas, a monarquia constitucional não-representativa não era o único projeto, e foi necessário recorrer à violência para manter muitas províncias do novo estado juntas à união.

- Continuidade:
Perguntem-me sobre.
  • Setores dominantes da colônia (SP, MG, RJ): Esse eixo já concentrava a primazia comercial pela localização geográfica e pela dinâmica econômica e de poder que desempenhava. O Rio fora a sede do poder até então, Minas havia se destacado na mineração ao longo do século anterior e São Paulo desde os bandeirantes concentrava muito dos fluxos econômicos intrarregionais.
  • Insatisfação e isolamento regional: Claro, as regiões que haviam esgotado-se em seus ciclos, sobretudo o Nordeste empobrecido após o declínio açucareiro e os pecuaristas do Sul, sem falar na até então pouco explorada Amazônia, vivenciaram movimentos rebeldes (veremos isso nas Rebeliões Regenciais).
  • Símbolo de autoridade: Depois de 300 anos sob a tutela de um rei estrangeiro, a saída política para a independência foi adotar outro rei estrangeiro como símbolo de autoridade e manuntenção da unidade. Parece que sempre se busca a alternativa de transição mais lenta possível na maioria das modificações nesse nível - como foi a abolição, a República, a democracia... Sempre se busca acima de tudo evitar os prejuízos financeiros. 
  • Dependência da Inglaterra (direta): Éramos colônia de uma nação altamente dependente da Inglaterra, que já despontava com a Revolução Industrial e os ganhos de produtividade. Pensem hoje: Em todo lugar há um produto "Made in China", não? Os ingleses foram os primeiros a estabelecer um processo semelhante a nível global, sendo os pioneiros do liberalismo e do capitalismo moderno e transformando a sua paisagem e, a partir disso, a do mundo. Sem falar que já nascemos assumindo uma dívida com a rainha. E assim serão os nossos principais credores até que os EUA os substituam, após a Segunda Guerra Mundial.
- (1822-1840): Flutuação política, rebeliões e arranjos de poder
Durante praticamente todo o primeiro Reinado houve uma disputa para saber quais grupos lançariam suas bases na construção do novo estado. Muitos eram os interesses e as vozes destoantes, não muito diferente de hoje, mas os princípios eram os mesmos. Havia o grupo autoritário do Imperador, os monarquistas que os defendiam e os que o criticavam, desejando uma monarquia mais representativa (universal). Havia ainda os republicanos, tidos como "radicais" - defendia-se que o Brasil não estava pronto para a República, pois isso o fragmentaria (como na América Latina) ou colocaria o processo de independência sob a tutela dos escravos (e lembrava-se com horror da independência do Haiti).
Haiti - 1804: Por muito tempo um exemplo de pesadelo dos senhores.
Essa ilustração foi feita para retratar uma independência 'bárbara',
que resultou num país repleto de mazelas sociais (e sem escravos).

  Primeiro debate político: A constituição
Feita a independência, era necessário primeiramente escrever as regras do país, ou seja, a carta magna ou constituição, que basicamente dita como será constituído o novo estado

(1823): Assembleia Constituinte - José Bonifácio
Os grupos políticos se reuniram em torno de uma assembleia e, com a forte articulação de José Bonifácio, propuseram ao Brasil sua primeira carta magna. Ela limitava o poder do imperador e condicionava ao voto à renda em alqueires de mandioca plantados. Graças à planta, muito popular no Brasil, ganhou o apelido de "Constituição da Mandioca".

(1824): Dissolução, constituição outorgada pela coroa
Antes da votação da carta, Dom Pedro I dissolveu ou extinguiu a assembleia, afirmando categoricamente que a constituição não era digna "de sua pessoa e do Brasil". Na prática o imperador estava infeliz com a limitação de seus poderes e, com isso, impôs ao Brasil sua primeira constituição. Seu pai ficaria orgulhoso: Depois de D. João VI ter de retornar a Portugal para assinar uma constituição e perder seus poderes, seu filho rasgava a carta e afirmava-se supremo.
"Não é digna de minha pessoa e do Brasil".

Basicamente, a constituição pintava o quadro de um país:

  • Monárquico hereditário, constitucional e católico: Era como Pedro aprendera na Europa com seu pai, seu pai com seu avô e assim por todo um milênio. O poder do imperador vinha do Deus romano, que abençoara sua família e o país. A constituição, que ele havia imposto, era muito mais uma ferramenta de afirmação da coroa ("poder moderador").
  • Guiado pela nobreza não-aristocrática: Mas sim comercial. Dom João VI havia criado no Brasil mais nobres do que em toda a história portuguesa anterior. Esses nobres eram burocratas e comerciantes e, diferentemente da tradição, não passariam o título aos seus filhos. Assim, era mais fácil ditar os favoritos de acordo com as necessidades da coroa.
  • Escravista e desigual: Se a política era uma forte discussão, com certeza não era no sentido de discutir os problemas profundos da nova nação.
  • Bicameral (câmara efêmera, senado vitalício), de voto indireto (lista tríplice) e censitário: A representação política não era universal: Metade da população era mercadoria (escravos), poucos eram cidadãos e menos ainda tinham renda suficiente para votar e se candidatar. Finda a eleição, os três primeiros eram enviados em lista ao imperador, que escolhia o vencedor. Na prática, então, os poderes se submetiam à coroa. Ainda, era necessário comprovar renda de :
- 100 mil réis para votar
- 200 mil réis para eleger
- 400 mil réis para ser eleito
- 800 mil réis para ser conselheiro

Resultado (impressões livres):
O imperador venceu a queda de braço e impôs uma constituição que lhe tornava tão despótico quanto qualquer rei europeu absoluto. Na prática, suas ações foram desastradas: Perdeu uma guerra da qual fez absoluta questão (a da Cisplatina, em 1826) e perdeu toda a popularidade de que gozava. Apesar de ter toda a máquina, a pressão pública contra o imperador cresceu. Perdeu-se assim os primeiros nove anos da nação discutindo a sua figura e de seu estado macrocéfalo (macro- grande, céfalo - cérebro: o estado de cabeça muito maior que o corpo, lento e pesado sobre a população e meios produtivos), até a sua abdicação, em 1831. Foi muito mais lembrado pela rebeldia e ímpeto da independência (e de seus romances novelescos, onde virou até Caio Castro).
Depois disso, Dom Pedro foi lutar em Portugal, onde destituiu seu irmão Miguel, coroou sua filha como Dona Maria II e faleceu, tendo deixado dois filhos seus nos tronos de Portugal e Brasil e recebendo o título em Portugal de "O Rei Soldado" - parecia muito mais apto à ação do que a governar.
Com a sua saída, foi instalada uma regência - os deputados que ele indicara passaram a governar o Brasil e tentar segurar as pontas diante de diversos movimentos pela separação. Enquanto isso, acreditavam na mesma fórmula de centralização: a coroa, esperando que seu filho Pedro crescesse mais dócil do que o pai, tendo sido educado desde cedo para tanto.
No entanto, nem mesmo os regentes ou Pedro II mudaram a constituição. É estranho ouvir, por exemplo, que o nosso povo é "inapto" para a política, o que justifica escolher uma figura que supostamente é respeitada por todos para exercer a moderação da nação. No entanto, já nascemos alijando a maioria da população da política, estipulando critérios de renda. Muito gradualmente essa participação foi se abrindo, com bastante tempo para que sempre se criassem artifícios para maquiar os interesses por trás da política.
Na prática, a nossa democracia é muito jovem e de trajetória errante, pois não há períodos duradouros de voto direto e universal. É um bom momento para se pensar no exemplo da fundação do nosso estado para saber se é isso que queremos reproduzir nas urnas.
"O Brasil, não devemos nos enganar, segue sendo um país de raízes autoritárias, onde a desigualdade, a violência e o racismo continuam a estruturar o país" (Átila Roque). A verdadeira política não está nos partidos, mas em cada ação que caminhe num sentido contrário.

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